domingo, 9 de dezembro de 2012

Breve tratado da rebelião

Por Robert de Herte

 Ernst Jünger escreveu em 1951 no "Tratado do Rebelde": "Para o rebelde são indispensáveis duas qualidades. Rechaça deixar-se prescrever as leis do poder, se usarem a propaganda ou empreguem a violência. Sua decisão é defender-se". Dominique Venner agregou: "Aquele que os rebeldes tiveram em comum em todos os tempos é de fato de ter descoberto, por diversas maneiras, uma cincompatibilidade absoluta entre seu próprio ser e o mundo em que lhes tocava viver".

O rebelde rechaça, com sua conduta, a ordem em que está dada o mundo em que foi jogado. O rechaça em nome de uma legitimidade que se encontra mais além da legalidade. O rechaça porque encontra a legitimidade e a norma em si mesmo [...]. Seu rechaço é total. O rebelde é aquele que não crê, despreza aqueles que buscam deslumbrá-lo fazendo-lhe ver honras, interesses, privilégios e reconhecimentos. Na mesa de jogo, é aquele que não joga: o espírito do tempo resbala sobre ele como a água sobre as pedras. Espírito livre, homem livre, não coloca nada por cima da liberdade da mente e da pessoa. Ele mesmo é expressão de liberdade. "É rebelde, quem está imerso na liberdade, lei de sua própria natureza", escreveu Jünger.

Ele não é somente um homem que rechaça submeter-se. Certamente, como o que resiste ou o dissidente, o rebelde é a prova de que uma alternativa é sempre possível, rebelião não somente ligada às circunstâncias; é de ordem existencial. O rebelde sente fisicamente a impostura, a sente instintivamente. Dissidente se faz, rebelde se nasce. O rebelde é rebelde porque qualquer outro modo de ser lhe é impossível. O resistente deixa de combater quando carece de instrumentos. Mas o rebelde, ainda em prisão, continua sua rebelião; por isso pode ser considerado um perdedor, sem embargo, não é vencido jamais. Os rebeldes não sempre podem mudar o mundo, mas o mundo nunca logrou mudá-los.

Antes um mundo ao qual sente desprezo ou desgosto, o rebelde não pode considerar satisfatória a indiferença, que é demasiado próxima à neutralidade. O rebelde está feito para a luta, ainda que a mesma seja sem esperança. Não é um renunciante. O rebelde se sente estranho no mundo em que habita, sem todavia desejar deixar de habitá-lo: sabe que se pode nadar contra a corrente à condição de não abandonar o leito do rio.

Pertence a essa minoria que em todas as épocas prefiriu o perigo à escravidão, sabe que o respeito de si sempre deve ser conquistado. Seu distanciamento, puramente interior, não impede o contato, dado que tal contato é necessário para a luta. Se "recorre ao bosque", não o faz para refugiar-se - sem bem frequentemente é um bandido - senão para retomar a força vital. "O bosque sempre está presente", prossegue Jünger. "Existe o bosque no deserto como na cidade, onde o Rebelde vive escondido sob a máscara de qualquer profissão. Existem bosques na própria pátria, assim como sobre qualquer solo onde pode expressar sua resistência. Mas sobretudo existe bosques atrás das linhas inimigas".

O revolucionário persegue um objetivo; não necessariamente é assim para o rebelde. O rebelde pode lutar para afirmar um estilo. Luta porque não pode fazer outra coisa que lutar. O revolucionário entende chegar a um objetivo, enquanto o rebelde encarna, ante tudo, um estado de ânimo. O rebelde despreza o jogo de deixar-se arrastar pela onda extremista e a manipulação presentemente eficaz dos "slogan". não se encontra entre aqueles que se limitam a anunciar o Apocalipse, sem ter o mínimo de capacidade para dar-lhe o remédio.[...]

No "curso da história", em compensação, o rebelde reconhece o instante e o captura. Para romper o cerco, para tentar introduzir um grão de areia na máquina, racionaliza sobre situações concretas. Determina a estratégia em relação com o que vê transcorrer sob seus olhos, não recorre a modelos superados. O rebelde é antes que nada móvel. Mobiliza o pensamento e o torna móvel. Não é soldado, sim guerrilheiro. Não conduz operações regulares, lança golpes de punho. Não está por trás de uma linha de frente, mas atravessa toda as frentes. O rebelde pode ser ativo ou contemplativo, homem de conhecimento ou de ação. No plano estratégico pode ser lobo ou leão. Existem de diversos tipos. No âmbito do pensamento, foram rebeldes Péguy, Bernaros, Orwell, e mais recentemente Jack Keourac, Dominique de roux, Burroughs, Passolini, Mishima, Jean Cau [...], no âmbito da ação, depois de tantos "despertadores de povos", podemos citar o subcomandante Marcos que, sem cometer nenhum atentado, defende de modo exemplar a liberdade dos indígenas de Chiapas. De Robin Hood aos zapatistas, a filiação é uma só.

Os rebeldes sempre existiram, mas o mundo atual lhes reserva um rol de todo particular. Durante a modernidade, o rebelde aparecia rechaçado com respeito ao revolucionário: se estimava que estava privado de uma clara consciência ideológica e que preferia o jogo desordenado das reações instintivas às estratégias largamente meditadas. Hoje que a modernidade está concluindo, eles reencontram o posto e lhes corresponde.

A globalização faz da Terra um mundo privado de exterior, privado de outra parte, que não é possível atacar partindo de um ponto mais além de si mesmo. Um mundo deste tipo não é impulsionado à explosão, mas a uma depressão implosiva. O rebelde está apto para este mundo porque anima redes e propaga suas ideias de forma viral. Desde este ponto de vista, é também uma figura pós-moderna, mas antagonista. De um modo sempre mais homogêneo encarna a singularidade.

É um ponto opaco em um mundo lançado á transparência totalitária, um sujeito em um mundo de objetos virtuais, um sedicioso por excelência em um mundo civilizado virado em policial. Um estranho que pode ser bem excluído em nome da luta contra a exclusão, se não fora que preventivamente  o mesmo se excluiu.

É aqui porque, em um certo sentido, o futuro pertence ao pensamento rebelde, ao pensamento que desenha inéditas frentes de batalha, esboça uma nova topografia, prefigura outro mundo. Porque a história sempre fica aberta. Jünger disse chamar Rebelde aquele "que isolado e privado da pátria pela marcha do universo, se vê entregado à nada". E escreve "quando um povo inteiro se prepara para passar ao bosque, se converte em uma temível potência".

[Robert de Herte é pseudônimo de Alain de Benoist. Este ensaio foi publicado em "Elements" Nº 101, Maio de 2001, Paris, e em "Diorama" Nº 245, Maio-Junho de 2001, Florencia]
 
 
[Tradução de Álvaro Hauschild]

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