quinta-feira, 2 de maio de 2013

Quando não importa a autodeterminação - a moral dúbia do Reino Unido dos Grandes Piratas

Por Emilio Cárdenas

Island of Shame ("Ilha da vergonha"), livro de David Vine, é relevante para todos os argentinos com sua conexão direta com a conduta da Grã-Bretanha, a potencia colonial uma vez ocupante da ilha denominada Diego Garcia. Se trata da primeira investigação acadêmica - completa e bem documentada - sobre o que efetivamente ocorreu, há quatro décadas, na ilha localizada no Oceano Índico, entre a África e Indonésia.

Diego Garcia, com sua forma de arco, é na verdade a maior de um conjunto de sessenta e quatro pequenas ilhas que compõem um grande atol de coral.

O interesse no trabalho de Vine aumenta em especial quando acabamos de testemunhar um referendo ilegal de autodeterminação nas Ilhas Malvinas, em função da qual seus habitantes ratificaram que não têm outra identidade senão britânica. Isso significa ter-se auto-excluído como parte que reclama uma individualidade própria, distinta da potência colonial ocupante, nas futuras negociações sobre a soberania das Ilhas Malvinas. O que naturalmente não quer dizer que os habitantes das Malvinas não devam ser levados em conta ao se discutir o futuro das ilhas. O que chegará em algum momento. mas não serão uma terceira "perna", presumivelmente autônoma, nas negociações sobre a soberania das ilhas. Porque se proclamaram o que sempre foram e todos nós sabíamos o que eram: britânicos. (nota do tradutor: colonos postos para o império garantir sua pretensa legitimidade territorial, vide "O Príncipe" de Maquiavel, capítulo V).

A obra de Vine desmascara claramente o cinismo e a incrível "moral dúbia" da Grã-Bretanha que, apesar de ser consciente de que a população de Diego Garcia teria certamente direito à autodeterminação, optou por expulsá-la sem a menor cerimônia da terra em que viviam, para poder construir ali uma gigantesca base militar estadunidense, de importância estratégica e geopolítica. Desde lá, lembremos, foram organizadas recentemente algumas das mais cruciais operações militares estadunidenses, como as que ocorreram no Iraque e Afeganistão.

Grã Bretanha - segundo prova Vine ao longo de sua investigação muito bem documentada, extensa e minuciosa - expulsou com a maior crueldade todos os habitantes de Diego Garcia. Ou seja, aos chamados "ilois", que no idioma crioulo local significa "ilhéu", "insulano" (habitante da ilha). O fez sem hesitar um único instante frente ao enorme custo humano que os "ilois" tiveram que pagar. Manejando, segundo demonstra Vine, o tema de modo sigiloso, ao fazer os britânicos o "trabalho sujo" por exigência dos EUA, para que os feitos não chegassem ao conhecimento do Comitê de Descolonização das Nações Unidas senão logo após que foram consumados.

Os ilois (também chamados de "chagosianos", expressão que vem da palavra "chaga") chegaram em Diego Garcia em 1783. Ali estiveram por um período de tempo de dois séculos, até que os britânicos (sem consultar-los em nada) decidiram sua expulsão massiva. Para o que inventaram o chamado "Território britânico do Oceano Indico" em 1965, estabelecido por "decreto imperial", de modo a não advertir o que acontecia nem mesmo a seu próprio Parlamento.

Quando os ilois começaram a ser deportados, aproximadamente dois mil deles moravam no atol. Trabalhavam em plantações de cocos e levavam uma existência pacífica, tranquila, quase idílica, certamente sem sonhar qual seria, de repente, seu final trágico.

O processo que conduziu à sua deportação massiva por parte da Grã-Bretanha foi realmente duro. Tremendo, aliás. Até seus cachorros foram - relata Vine - assassinados com gás na frente deles. Para que não deixassem rastro algum de sua presença em Diego Garcia e poder assim entregá-la aos EUA "desabitadas", como haviam se comprometido com o presidente John F. Kennedy.


Base militar da OTAN imposta em Diego Garcia


A obra de Vine descreve - precisa e detalhadamente - as várias atrocidades cometidas pelos britânicos para "limpar" de gente Diego Garcia. Primeiro, não deixaram regressar à ilha aqueles que tinham saído - absolutamente desprevenidos - dela para curar no exterior seus problemas de saúde, na vizinha Maurícia ou nas Seychelles, ou para fazer turismo ou visitar amigos e familiares. Jamais puderam regressar.

Logo foram, passo a passo, desabastecendo a ilha de alimentos, medicamentos, e de serviços mais básicos e elementares, de maneira a tornar impossível seguir habitando-as. Por fim, fecharam os hospitais, escolas e clínicas.

Os últimos ilois que, apesar de tudo, permaneceram em Diego Garcia, foram finalmente forçados a embarcar em um navio (o último) com excesso de passageiros, a empurrões e com falsas promessas de compensação. para não retornarem mais à sua terra.

O livro relata uma história de horror, que denuncia a hipocrisia daqueles que, de repente, se declaram diante do mundo como pretensos campeões do princípio de "autodeterminação" quando o invocam a favor dos próprios britânicos, mas o ignoram - e até pisam em cima - quando esse recurso corresponde a terceiros.

Desde a sua expulsão pelos britânicos, os ilois caíram em miséria. São apenas alguns milhares de refugiados, abandonados por todos. Sem qualquer peso geopolítico.

De nada serviu os brevíssimos debates que puderam provocar no Congresso dos Estados Unidos em 1975. Nem as denuncias das ONGs. Nem as ações judiciais até agora arquivadas.

Todas as portas se fecharam para eles. Uma atrás da outra. No entanto, para os ilois, a luta não acabou. Por isso falam de "la lit chagossien" ("a luta chagossiana"), que alimenta suas esperanças de algum dia à sua própria terra.

Ninguém renuncia à sua própria identidade. A deixar de ser o que é. Mesmo que uma potência afirme, falsamente, que os ilois nunca existiram.

Via La Nacion

Tradução por Conan Hades

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