sábado, 7 de setembro de 2013

Dugin sobre Síria: estamos na maior crise da história geopolítica moderna



Entrevista ao importante intelectual russo Alexander Dugin sobre a crise síria e a posição em que se encontram atualmente Estados Unidos e Rússia, ressaltando que vivemos em um momento histórico no qual se batem muitas coisas com os possíveis cenários futuros: a queda dos Estados Unidos como superpotência ou uma guerra às portas da Rússia.

Manuel Ochsenreiter: Professor Dugin, o mundo enfrenta, nesses momentos, na Síria a maior crise internacional desde a queda do Bloco Oriental em 1989/90. Washington e Moscou se encontram em um confronto através de terceiros no campo de batalha sírio. Esta é uma nova situação?

Dugin: Temos que ver a luta pelo poder político como o velho conflito do poder terrestre, representado pela Rússia, e do poder marítimo, representado pelos Estados Unidos e seus sócios da OTAN. Isto não é um fenômeno novo, mas a continuação da velha luta geopolítica e geoestratégica. A década dos 90 foi a época da grande derrota do poder terrestre representado pela URSS. Michail Gorbachov negou a continuação desta luta. Isto foi uma espécie de traição e resignação diante do mundo unipolar. Mas com o presidente Vladimir Putin, no início da primeira década dos anos 2000, chegou a uma reativação da identidade geopolítica da Rússia como potência terrestre. Este foi o começo de um novo tipo de competência entre o poder marítimo e o terrestre.

Manuel Ochsenreiter: Como começou esta reativação?

Dugin: Tudo começou com a segunda guerra da Chechênia (1999-2009). A Rússia, nesse momento, estava sob pressão pelos ataques terroristas chechenos e pelo possível separatismo do Cáucaso Norte. Putin teve que notar que todo o Ocidente, os EUA e a União Europeia, estavam do lado dos separatistas chechenos e terroristas islâmicos que combatiam contra o exército russo. Este é o mesmo argumento que presenciamos hoje na Síria ou tempos atrás na Líbia. O Ocidente deu apoio à guerrilha chechena, e este foi o momento da revelação do novo conflito entre o poder terrestre e o poder marítimo. Com Putin, o poder terrestre se reafirmoou. O segundo momento da revelação foi em Agosto de 2008, quando o regime pró-ocidental da Geórgia atacou Zchinwali na Ossétia do Sul. A guerra entre a Rússia e a Geórgia foi o segundo momento da revelação.

Ochsenreiter: A crise síria é atualmente o terceiro momento da revelação?

Dugin: Extamanete. Talvez seja até mesmo o último, porque agora tudo está em jogo. Se Washington não intervir e aceitar a posição da Rússia e da China, este seria o final dos Estados Unidos como candidato a superpotência e poder único. Esta é a razão pela qual creio que Obama seguirá adiante na Síria. Mas se a Rússia aceitar a intervenção dos Estados Unidos, e se Moscou finalmente trair Bashar al Assad, isto significaria de imediato um golpe muito dura contra a identidade política russa. Isto significaria a grande derrota do poder terrestre. Depois disto, um ataque contra o Irã seria feito, e ainda mais um no Cáucaso do Norte. Entre os poderes separatistas no Cáucaso Norte existem muitas pessoas que são apoiados pelas potências anglo-americana, Israel e Arábia Saudita. Se a Síria cair, começará imediatamente a guerra na Rússia, no nosso país. Significa que Putin não pode renunciar a Assad, porque isto significaria o suicídio geopolítica da própria Rússia. Talvez estamos neste momento na maior crise da história geopolítica moderna.

Ochsenreiter: Agora que ambas as potências mundiais dominantes, EUA e Rússia, estão em uma luta pela sua existência futura...

Dugin: De fato. No momento não há nenhuma outra solução possível. Não podemos encontrar nenhum tipo de compromisso. Nesta situação não há uma solução que satisfaça ambos os lados. Sabemos por outros conflitos como o armênio-azerbaijano ou o conflito palestino-israelense. É impossível encontrar uma solução para ambas as partes. Somos atualmente testemunhas do mesmo na Síria, mas em uma escala maior. A guerra é a única maneira de fazer uma revisão da realidade.

Ochsenreiter: Por quê?

Dugin: Temos que imaginar este conflito como um tipo de jogo de cartas como o poker. Os jogadores têm a possibilidade de ocultar suas capacidades, para fazer todo tipo de truques psicológicos, mas quando começar a guerra todas as cartas estarão sobre a mesa. Agora estamos presenciando o momento final do jogo de cartas, antes das cartas serem jogadas sobre a mesa. Este é um momento muito sério, porque a posição como potência mundial está em jogo. Se os Estados Unidos tiverem êxito, poderia se impor por algum tempo como posição dominante absoluta. Esta seria a continuação da unipolaridade e do liberalismo mundial estadounidense. Este seria um momento muito importante porque até agora os EUA não foram capazes de implementar seu domínio de forma estável, mas no momento em que ganharem a guerra, o farão. Mas se o Ocidente perder a terceira batalha (a primeira foi a guerra da Chechênia, a segunda a da Geórgia), este seria o final dos EUA e de seu domínio. Vejamos o seguinte: nem EUA nem Rússia podem renunciar a esta situação. Simplesmente, é impossível para ambos não reagir.

Ochsenreiter: Por que Estados Unidos e o presidente Barack Obama vacilam com sua agressão contra a Síria? Ele apela à decisão do Congresso? Por que pedir permissão quando não precisa?

Dugin: Não devemos cometer o erro e começar a fazer análises psicológicos sobre Obama. A guerra principal se dá nesses momentos nos bastidores. E esta guerra está sendo liberada em torno de Vladimir Putin. Ele está sob uma grande pressão dos funcionários liberais, pró-estadounidenses e pró-israelenses que rondam o presidente russo. Eles tratam de convencê-lo a desistir da luta, e o pessoal em torno de Putin são a quinta coluna do Ocidente. Isto significa que Putin é o único. Ele tem a população ao seu lado, mas não a elite política. Assim que temos que ver a decisão da administração de Obama de pedir permissão ao Congresso como uma espécie de espera. Eles tratam de forçar a pressão sobre Putin. Eles usam todas suas redes na elite russa para influenciar na decisão de Putin. Esta é a guerra invisível que está passando nestes momentos.

Ochsenreiter: Este momento é novo?

Dugin: (Risos) Absolutamente não! É a forma moderna das tribos arcaicas tratarem de influenciar o chefe do inimigo com ruídos fortes, gritos e tambores de guerra. Eles se golpeiam no peito para impôr o medo no inimigo. Creio que os esforços dos Estados Unidos para influenciar Putin são uma forma moderna de guerra psicológica anterior à batalha real. A Administração estadounidense tratará de ganhar esta guerra sem o oponente russo no campo de batalha. Para isso tem que convencer Putin de desistir. Eles têm muitos instrumentos para isto.

Ochsenreiter: Mais uma vez, o que acontece com a posição de Barack Obama?

Dugin: Creio que todos estes aspectos pessoais no lado estadounidense são menos importantes que no lado russo. Na Rússia, uma pessoa decide hoje sobre a guerra e a paz. Nos Estados Unidos, Obama é mais um tipo de administrador burocrático. Obama é muito mais previsível. Ele não atua em seu nome, mas se limita a seguir a linha central da política exterior estadounidense. Temos que notar que Obama não decide nada em absoluto. Ele é a figura de um sistema política que faz as verdadeiras decisões importantes. A elite política toma as decisões, Obama segue o plano escrito para ele. Para dizer claramente, Obama não é nada, e Putin é tudo.

Ochsenreiter: Você disse que Vladimir Putin tem a maioria da população russa a seu lado. Mas agora é época de paz. Na guerra síria, também apoiarão ele?

Dugin: Esta é uma pergunta muito boa. Em primeiro lugar, Putin perderia grande parte de seu apoio se não reagir em uma intervenção ocidental na Síria. Sua posição se debilitaria por desistir. As pessoas que apoiam Putin o fazem porque querem apoiar um líder forte. Se não reagir e resolver desistir devido à pressão dos Estados Unidos, seria considerado pela maioria da população como uma derrota pessoal de Putin. Assim que vê, isso é mais a guerra de Putin do que a guerra de Obama. Mas se intervir na Síria enfrentará dois problemas: a sociedade russa quer uma grande potência mundial, mas não está pronta para pagar os custos. Quando o volume destes custos ficarem claros, isso poderia causar uma espécie de choque para a população. O segundo problema é o que eu já disse, que a maioria da elite política é pró-ocidental. Eles se oporiam à guerra de imediato e começariam com sua propaganda para criticar as decisões de Putin. Isto poderia provocar uma crise interior. Creio que Putin seja consciente destes dois problemas.

Ochsenreiter: Você disse que os russos podem ser surpreendidos pelos custos de uma guerra. Não existe o perigo de que não poderão apoiar Putin por esta razão?

Dugin: Não creio. Nosso povo é muito heróico. Volte na história. Nosso povo não estava preparado para entrar em uma guerra, mas quando se viram obrigados a entrar, venceram a guerra, apesar de todos os custos e sacrifícios. Olhe para as guerras napoleônicas ou para a Segunda Guerra Mundial. Nós, os russos, perdemos muitas batalhas, mas no fiinal vencemos estas guerras. Mesmo que não estejamos preparados, sempre venceremos.

Traduzido por Álvaro Hauschild

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