sábado, 8 de agosto de 2015

Ivan Ilyin sobre a Ortodoxia


O grande filósofo russo do século XX, Ivan Ilyin (1883-1954), atacado pela mídia ocidental depois que Putin o recomendou para seu governo, explica como a nação russa não foi forjada apenas através da guerra, mas também pelo amor e beleza divinos - a fé cristã ortodoxa. Abaixo, texto do filósofo.

A cultura espiritual nacional foi criada de geração em geração não por pensamento consciente nem por escolha arbitrária, mas por uma longa, integral e inspirada tensão de todo o ser humano; e sobretudo por um instinto inconsciente, forças noturnas da alma. Essas forças misteriosas da alma são capazes de criatividade espiritual apenas quando são iluminadas, enobrecidas, formadas e cultivadas pela fé religiosa.

A história não conhece um grande povo cultural e espiritualmente criativo que habitou na divindade. Mesmo os mais antigos selvagens tiveram sua fé. Caindo na descrença, as nações degeneraram e morreram. Que a elevação da cultura nacional depende da perfeição da religião é incompreensível.

Desde tempos imemoriais a Rússia foi uma nação cristã ortodoxa. Seu principal núcleo nacional-linguístico criativo sempre confessou a fé ortodoxa. (Ver, por exemplo, os dados estatísticos de D. Mendeleiev. Sobre a Sabedoria da Rússia. pgs. 36-41, 48-49. No início do século XX a Rússia contou com uma população em torno de 66% ortodoxa, em torno de 17% cristãos não ortodoxos e em torno de 17% de religiões não-cristãs - alguns 5 milhões de judeus e povos turco-tártaros). Eis porque o espírito da ortodoxia sempre definiu e continua definindo profundamente a criatividade nacional russa.

Pelos presentes da ortodoxia todos os povos russos viveram, educaram-se e encontraram salvação ao longo dos séculos. Eles foram todos cidadãos do Império Russo - tanto aqueles que esqueceram estes presentes quando aqueles que não os perceberam, renunciando e até mesmo blasfemando sobre eles; cidadãos pertencentes a outras confissões cristãs; e outros povos europeus além das fronteiras russas.

Precisaríamos de todo um estudo histórico para uma descrição exaustiva destes presentes. Posso apontá-los apenas com uma breve enumeração.

1. Toda básica composição da revelação cristã foi recebida pela Rússia do Leste Ortodoxo na forma da Ortodoxia, em línguas grega e eslava. "A grande revolução espiritual e política do nosso planeta é o cristianismo. Dentro desse elemento sacro do mundo desapareceu e foi renovado" (Pushkin). O povo russo experienciou esse elemento sacro do batismo e a investidura no Cristo, o Filho de Deus na Ortodoxia. Foi para nós o que foi para os povos ocidentais antes da divisão das igrejas; deu-as o que elas logo mais perderam, e o que nós preservamos; pois este espírito perdido eles começam agora a se voltar para nós, chocalhados pelo martírio da Igreja Ortodoxa na Rússia.

2. A Ortodoxia estabeleceu na fundação do ser humano a vida do coração (os sentimentos e o amor), e a contemplação derivando do coração (a visão e a imaginação). Aqui está a mais profunda distinção do catolicismo, que leva a fé da vontade para a razão, e do protestantismo, que leva a fé da razão para a vontade. Essa distinção, definindo a alma russa, permanece eterna; nenhuma "União", nenhum "rito oriental", e nenhuma atividade missionária protestante pode refazer a alma ortodoxa. Todo o espírito russo e todo o caminho foram feitos pela Ortodoxia. Aqui está o porque de que quando o povo russo cria, busca ver e expressar o que ama. Esta é a base do ser e da criatividade nacional russa. Eles foram fundados pela Ortodoxia e cingidas pelo eslavismo e pela natureza da Rússia.

3. Na esfera moral, isto deu ao povo russo um sentido vivo e profundo de consciência; um sonho de retidão e sacralidade; uma acurada percepção do pecado; o presente de um arrependimento que renova; a ideia da catarse ascética; e um agudo senso de "verdade" e "mentira", bem e mal.

4. Por isso o espírito de piedade e fraternidade popular, sem-castas, supranacional tão característico do povo russo, a simpatia pelo pobre, pelo fraco, doentes e oprimidos, e até mesmo criminosos (vejam, por exemplo, no Diário de um Escritor de Dostoievsky de 1873, Artigo III "Ambiente" e Artigo V "Vlas"). Por isso nossos mosteiros e tsares que amam os pobres; por isso nossos hospícios, hospitais e clínicas criadas com doações privadas.

5. A Ortodoxia cultivou no povo russo esse espírito de sacrifício, servidão, paciência e lealdade, sem o que a Rússia nunca teria resistido a seus inimigos nem construído uma morada terrena. No curso de toda a história, os russos aprenderam a construir a Rússia "beijando a cruz" e a basear-se sua força moral na oração. O presente da oração é o melhor presente da Ortodoxia.

6. A Ortodoxia afirmou a fé religiosa sob liberdade e seriedade, conectando-as em uma só; com esse espírito informou-se a alma russa e a cultura russa. As missões ortodoxas trouxeram pessoas "ao batismo" "através do amor", e de nenhum modo através do medo (Da instrução do Metropolita Makário ao Arcebispo Gury em 1555. As exceções só confirmam a regra básica). Por isso vem da história russa precisamente aquele espírito de tolerância religiosa e nacional que os cidadãos russos de outras confissões e religiões valorizam por seu mérito apenas depois das perseguições revolucionárias da fé.

7. A Ortodoxia trouxe ao povo russo todos os presentes do sentido cristão de justiça - uma vontade para a paz, para a fraternidade, justiça, lealdade e solidariedade; um sentido de dignidade e categoria; uma capacidade para o auto-controle e respeito mútuo; em uma palavra, tudo o que pode levar o mais perto dos mandamentos de Cristo.

8. A Ortodoxia nutriu na Rússia o sentido de uma responsabilidade cidadã, aquela de um oficial diante do Tsar e de Deus, e acima de tudo consolidou a ideia de uma monarquia, clamada e ungida, que serviria a Deus. Graças a isto os governadores tirânicos na história russa foram uma completa exceção. Todas as reformas humanas na história russa foram inspiradas ou sugeridas pela Ortodoxia.

9. A Ortodoxia russa fielmente e sabiamente resolveu a mais difícil tarefa com a qual a Europa Ocidental quase nunca lidou - encontrar uma correta correlação entre a Igreja e o poder secular, um apoio mútuo sob lealdade mútua e sem usurpações.

10. A cultura monasterial ortodoxa deu à Rússia não apenas tropas de homens retos. Deu a ela crônicas, i.e. estabeleceu uma fundação para a historiografia russa e para a consciência russa. Pushkin expressou isso assim: "Somos obrigados perante os monges por nossa história, e consequentemente por nossa iluminação" (Pushkin, Notas Históricas de 1822). Nós não podemos esquecer que a fé ortodoxa foi desde muito considerada como o verdadeiro critério de "russidade" na Rússia.

11. A doutrina ortodoxa sobre a imortalidade da alma de uma pessoa (perdida no protestantismo contemporâneo, interpretando a "vida eterna" não no sentido de imortalidade da alma, que é vista como mortal); sobre a obediência às autoridades superiores por uma questão de consciência; sobre a paciência e a entrega da vida "por seus amigos" deram ao Exército Russo todas as fontes de seu conquistador espírito cavalheira e individualmente destemido e sacrificial, que desenvolveu em suas guerras históricas e especialmente no ensinamento da prática de Alexandr Surovov - e foi frequentemente reconhecido por grandes capitães inimigos (Frederico o Grande, Napoleão, etc.).

12. Toda a arte russa derivou da fé ortodoxa, no início nutrindo seu espírito de contemplação profunda, crescente oração, livre franqueza e responsabilidade espiritual (vejam "O que, ultimamente, é a essência da poesia russa?" e "Sobre o lirismo de nossos poetas" de Gogol; vejam meu livro Fundamentos da Arte. Sobre a Perfeição na Arte). A pintura russa veio do ícone; a música russa foi inspirada pelos cantos da Igreja; a arquitetura russa veio do trabalho das catedrais e monastérios; o teatro russo nasceu dos "atos" dramáticos sobre temas religiosos; a literatura russa veio da Igreja e das obras monásticas.

Por acaso foi tudo enumerado aqui, tudo mencionado? Não. Ainda não falamos dos anciões ortodoxos; das peregrinações ortodoxas; do significado da língua Antiga Eslavônica Ortodoxa; da escola ortodoxa e da filosofia ortodoxa. Mas tudo o que é ainda impossível exaurir.

Tudo isso forneceu a Pushkin a base para estabelecer a seguinte e inquebrantável verdade: "A confissão grega, separada de todas as outras, nos dá um caráter nacional especial" (Notas Históricas, Pushkin, 1822). Este é o significado cristão ortodoxo na história russa. Assim é como essas perseguições selvagens e nunca expostas contra a Ortodoxia, que agora endurece com os comunistas. Os bolcheviques entendem que as raízes do cristianismo russo, o espírito nacional russo, da honra e consciência russas, a unidade estatal russa, a família russa, e o senso de justiça russo - são estabelecidos em nome da fé ortodoxa, portanto tentam desenraizá-la.

Na luta com tais tentativas, o povo russo e a Igreja Ortodoxa trouxeram toda uma tropa de confessores, mártires e santos mártires; e ao mesmo tempo eles restauraram a vida religiosa da era das catacumbas em todo lugar - nas florestas, nas ravinas, nas vilas e cidades. Por vinte anos o povo russo aprendeu a concentrar-se em silêncio, limpar-se e forjar suas almas diante da face da morte, orando em sussurros e organizando a vida da Igreja em perseguições, fortalecendo-a em segredo e silêncio. E no momento, depois de vinte anos de perseguição, os comunistas tiveram que admitir (no inverno de 1937) que um terço dos residentes em cidades e dois terços da população nas vilas continuam abertamente a acreditar em Deus. E quantos dos que restaram ainda acreditam e rezam em segredo?

As perseguições estão despertando dentro do povo russo uma nova fé, uma força plena toda nova e um novo espírito. Corações sofridos restauram sua contemplação antiga e religiosa. E a Rússia não apenas não deixará a Ortodoxia, mas seus inimigos no Ocidente esperam, mas serão fortalecidos nos fundamentos sacros do seu ser histórico.

As consequências da revolução superará suas causas.

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