por Maurício Oltramari
Assim como a grande maioria dos países do
Ocidente, nas últimas décadas o Brasil tem sido cada vez mais consoante com a
abertura de seus mercados a empresas multinacionais e com a integração de suas
transações econômicas à dinâmica de negociação dos mercados globalizados. Essa
postura trouxe ao país investimentos em setores importantes da indústria, do
comércio e da prestação de serviços, e com eles, a chegada -ou a formação- de
novos oligopólios e monopólios, fenômeno ao qual estão suscetíveis todas as
economias regionais integradas aos seus respectivos mercados nacionais e ao
mercado global.
As mesmas estruturas e poderes reguladores
do liberalismo econômico -o sistema capitalista- que permitem a formação desses
monopólios e oligopólios a nível internacional, também permitem, mutatis mutandis, a sua formação na
esfera nacional. Isso significa, em termos econômicos, que há setores da
prestação de serviços, do comércio e da indústria nacional que são dominados
por uma empresa ou um seleto (e pequeno) grupo de empresas. Fato que dificulta e
prejudica gravemente a existência e a manutenção dos pequenos e micro negócios
em geral, nos quais se incluem, evidentemente, as empresas e os ofícios familiares.
Distante da obsoleta teoria econômica da
“mão invisível”, -proposta por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”- que
postula a existência de uma determinada ordem de interesses coordenando a
economia como uma entidade autônoma, as transações econômicas dos mercados
globalizados movimentam-se por “mecanismos” muito diferentes, que nada tem a
ver com a “oferta e demanda” que descreve a figura metafórica do filósofo inglês.
A nível nacional e internacional, esses
“mecanismos” são os verdadeiros reguladores dos preços e de outras variáveis que
estão diretamente relacionadas com a produção e venda de determinados bens e
serviços. Nesse caso específico, estamos falando dos cartéis ou dos acordos
informais -para definição de preços e quantidade de produção de bens- que os
grandes empresários estabelecem entre si para garantir a maximização dos seus
lucros. No caso brasileiro há alguns exemplos que podem ser utilizados para echar luz sobre essa realidade nefasta
que passa despercebida pela grande maioria da população. Nesse texto,
relataremos o caso de uma empresa que foi confrontada pela realidade dos
oligopólios em um setor da indústria brasileira, e decidiu levar até as últimas
consequências a determinação de não cooperar com a formação desses verdadeiros cartéis.
Tratam-se dos fatos que levaram ao fechamento das empresas do empresário
argentino Ramiro Vasena. O relato que segue é uma reprodução resumida de sua
entrevista dada ao canal argentino Toda La Verdad Primero, no
programa Producción Nacional, apresentado e comandado por Juan Manuel Soaje
Pinto.
O caso do empresário e hoje dirigente
político, aconteceu no Rio de Janeiro nos anos 90 e ganhou notoriedade na mídia
nacional, tendo matérias publicadas nos principais veículos de comunicação do
país. Ramiro Vasena foi proprietário de um grupo de empresas fabricante de
peças para automóveis e caminhões, que registrava um crescimento expressivo
nesse setor da indústria em meados da década de 90. A primeira empresa do
grupo foi fundada por seu pai na zona oeste do Rio de Janeiro, e na época que
Ramiro assumiu, contava com cerca de 50 funcionários. A empresa foi constituída
com o intuito de suprir a necessidade de mercadorias daquele setor, já que
existia uma grande demanda por esses produtos e os mecânicos e industriais -os
principais consumidores- reclamavam dos preços altos e abusivos cobrados pelos
fabricantes. Depois de cinco anos à frente do comando das empresas -que
contavam já com mais de 550 funcionários no total- e alavancando seus negócios
a patamares cada vez mais altos o empresário viu de súbito sua empresa ser
subjugada pelos interesses de um oligopólio que manejava os preços das
mercadorias segundo seus próprios interesses econômicos.
Quando as empresas do seu grupo abarcavam
já uma fatia expressiva no mercado consumidor brasileiro do ramo de autopeças,
o empresário foi procurado pelos maiores industriais do ramo e convidado a
fazer parte de uma associação informal que estabelece preços e regras
específicas para a produção e venda dessas peças. Em definitivo: uma associação
ilícita; um cartel. Como nos relata Ramiro, as regras propostas pelo cartel
foram as seguintes: elevar os preços dos bens e reduzir a produção, com o
intuito de maximizar o lucro e reduzir os custos. E assim, alinhar-se aos
preços praticados pelo mercado, ou seja, os preços definidos arbitrariamente
por um seleto grupo de empresários, proprietários das maiores empresas do ramo
em questão.
Ramiro afirma que se negou a atender a
essas exigências dos outros industriais, entendendo as consequências que essa
decisão poderia trazer: iria prejudicar tanto aos seus consumidores quanto ao
povo brasileiro como um todo, já que estaria infringindo as leis que vigoravam
no país naquele momento. Como Ramiro enfatiza, periodicamente as novas exigências
e regras decididas pelo cartel eram transmitidas ao empresário. Confrontado e
ameaçado caso não aceitasse os termos impostos, manteve a decisão de não fazer
parte da associação e ele salienta o que lhe diziam os empresários que o intimaram:
“o Brasil é nosso”.
Inicialmente, a empresa de Ramiro foi alvo
de um conhecido “mecanismo” regulador do mercado, o dumping. Resumidamente, essa prática comercial consiste na venda
-por parte de uma ou mais empresas- de produtos por um preço considerado abaixo
ou muito abaixo de seu valor justo ou do preço praticado em um determinado
país. O intuito dessa técnica é prejudicar ou eliminar os concorrentes, fato
que se verificou nas empresas do empresário argentino, quando seus concorrentes
reduziram os preços de determinados produtos para valores que estavam abaixo do
preço de custo desses bens. Além do dumping,
Ramiro afirma que muitos de seus produtos eram sabotados e danificados nas
lojas de revenda de autopeças. Nessa época, a empresa já enfrentava
dificuldades para a realização e entrega de pedidos dos clientes.
Com o faturamento prejudicado e reduzido
frente às condições impostas pelas regras ocultas do mercado, as empresas do
grupo de Ramiro começaram a enfrentar dificuldades financeiras. Mas essas
dificuldades não afetaram somente a Ramiro e sua família, mas a todos os seus
trabalhadores e suas famílias. Mais uma vez estavam se repetindo a sina da
desigualdade e injustiça impostas por um sistema econômico que favorece a
ganância de poucos e prejudica os mais necessitados: os trabalhadores e suas
famílias. Por fim, ele decidiu levar a
questão à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, apresentando
uma denúncia formal, relatando a situação atual de sua empresa e apontando as
práticas ilegais levadas a cabo pelos industriais do ramo de autopeças. As
denúncias foram por abuso de poder econômico, tentativa de formação de cartel e
práticas ilegais de comércio, segundo o empresário, que chegou a conversar com
cinco ministros de justiça durante todo o período em que tentava desmantelar o
cartel e dar fim às injustiças que lhe eram impostas.
Ele aponta a existência de uma “máfia” por
detrás das empresas e dos órgãos de justiça no Brasil. Segundo as gravações que
ele fez de suas conversas com participantes do cartel, como Roberto Kasinski*, ficou
comprovada a ligação que eles mantinham com Salomon Rotenberg, diretor da
Secretaria de Direito Econômico na época em que as denúncias foram feitas. O
diretor era amigo pessoal de Kasinski, e segundo o que este último havia dito
em tom claro ao próprio Ramiro, nada aconteceria se as denúncias fossem levadas
à frente. De forma concomitante, os veículos de comunicação que inicialmente
haviam dado grande atenção ao seu caso, agora silenciavam.
Ramiro relata também como organizou
protestos nas ruas do Rio de Janeiro para tornar público o que acontecia com
suas empresas, quando era auxiliado pela polícia e muitos voluntários, sendo
esta a única forma que ele conseguia para que o processo na justiça fosse
levado adiante. Enquanto toda essa epopeia às avessas se desdobrava, eram as
famílias dos trabalhadores que sofriam as consequências mais nefastas dessa
verdadeira conspiração, que não é uma exceção no mundo empresarial dos mercados
liberais.
Não será difícil para o leitor imaginar
qual é o fim dessa história. Com suas empresas severamente prejudicadas pela
ação desse cartel e acumulando um número cada vez maior de dívidas Ramiro teve
que retirar-se do ramo da venda de autopeças e sua empresa acabou vendida para
uma multinacional estrangeira. Na esfera econômica, viu a sina dos negócios
familiares repetir-se: os grandes oligarcas engoliram sua empresa e continuaram
tornando-se ainda mais ricos e projetando suas garras país afora. Na esfera
social, viu seus trabalhadores e a comunidade prejudicados e sem possibilidade
de reação, engolindo as injustiças e as dificuldades, sempre esperando por dias
melhores. A cartilha liberal foi seguida à risca.
É evidente pelo relato da experiência de
Ramiro -e como o próprio industrial afirma- a existência de uma “máfia”; um cartel
estabelecido no ramo de autopeças do Brasil, mas não apenas isso. É possível
estender essa experiência para que possamos analisar outros grandes setores da
indústria e do comércio no Brasil e no mundo, e entender quais são os
verdadeiros “mecanismos” e agentes ocultos que orientam a economia das nações. Cujas
únicas preocupações são o próprio enriquecimento e a perpetuação de seu status
de elite mundial, à custa, obviamente, da exploração dos povos e de suas
culturas.
Estabelecidas e sustentadas pelas
estruturas de poder das democracias do Ocidente, as elites ocultas que
determinam o rumo das economias nacionais e dos mercados globais continuam a
exercer seu poder, fundado nos princípios do liberalismo econômico. Sem o
ataque direto ao aparato militar e econômico dos centros de poder será
impossível reverter a situação que recai sobre nossas cabeças e afeta a todos,
principalmente aos trabalhadores e aos empresários familiares, que estão à base
da comunidade. E são esses trabalhadores e empresários -o povo brasileiro- os
responsáveis diretos pela tarefa de desmantelar essa teia liberal, infiltrada
-através da economia- em todos os aspectos da vida cotidiana, e assim restaurar
ao trabalho e ao comércio o lugar e a dignidade que lhes pertence dentro da
sociedade.
*Filho de Abraham Kasinski, fundador e dono
de uma das maiores empresas de autopeças do Brasil nos anos 90, a COFAP.
Entrevista (em espanhol)