terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A corrupção do sagrado, ou: o elevado índice de suicídio indígena no Brasil

 
Uma vez saiu uma importantíssima notícia afirmando que a maioria dos moradores de rua são homens desiludidos com o amor. Muitos dos homens desiludidos chegam à depressão, outra parte se mata, e outro tanto toma outro rumo: se tornam andarilhos, vagabundos, gente sem rumo, sem casa, sem vida. É uma alternativa ao suicídio.

Estes homens perderam tudo em sua vida: para eles, o casamento é um sacramento, e a mulher que amaram: um templo de Deus. Corrompido, destruído e pulverizado este templo, manchado com a sujeira demoníaca da traição e da falta de comprometimento a Deus, não mais por ele Deus poderá ser louvado. E não será louvado enquanto não houver um templo.

O que estes homens perderam foi a conexão com o Centro do Mundo. Tudo se tornou, para eles, um erro, uma desordem, uma anarquia ontológica. Eles não perderam uma mulher, perderam um veículo de Deus, perderam o caminho rumo a Ele.

Mircea Eliade compreendeu este fenômeno ao apresentar exemplos de civilizações antigas que, tendo perdido o templo em alguma catástrofe natural ou em alguma guerra, todo um povo se dissolve em suicídio, muitas vezes por morte de fome voluntária. Neste artigo apresentaremos outro exemplo da perda do sagrado, algo muito próximo de nós, e muito próximo das civilizações antigas. Trata-se dos índios brasileiros que sofrem com a corrupção de suas terras e tribos, com a poluição da natureza e com as mudanças forçadas às quais são sujeitos por parte de empresas e governos. Os índios não perdem apenas as matas, os rios, seus povos sagrados e amados, perdem o Centro do Mundo.

Uma nova reportagem publicada pela Survival International revela que o temível índice de suicídio entre os indígenas Guarani Kaiowá do sul do Brasil é o maior do mundo.

O índice de mortes auto-provocadas dentro da tribo é 34 vezes o índice padrão do Brasil e estatisticamente o maior entre qualquer sociedade no planeta. Os índices de suicídios entre outros povos indígenas, tais como os australianos aborígenes e os nativos americanos no Alasca, também são excepcionalmente altos. Isso pode ser visto como resultado inevitável do roubo histórico e contínuo de de sua terra e do "desenvolvimento" forçado sobre eles.

A reportagem, "O progresso pode matar", expõe as devastadoras consequências da perda de terra e autonomia de povos tribais. Assim como os altos índices de suicídio entre tribos, isso também revela os altos índices de alcoolismo, obesidade, depressão e outros problemas de saúde.

A estatísticas particularmente impressionantes incluem os índices altíssimos de infecção HIV na Papua Ocidental, que de quase nenhum caso em 2000 aumentou para 10.000 em 2015, e o índice de mortalidade infantil entre australianos aborígenes é duas vezes o da sociedade australiana. Em grande parte no mundo, a subnutrição continua causando mais problemas, tais como a desnutrição das crianças guaranis no Brasil, que são forçadas a viver em rodovias, e a obesidade de muitos nativos americanos, para os quais a comida sem qualidade é a única opção viável.

Roy Sesana do Botswana Bushmen, que forçosamente foi despejado de suas terras em 2002, disse: "que tipo de desenvolvimento é este em que o povo é levado a viver menos do que antes? Eles pegam HIV/AIDS. Nossas crianças são espancadas na escola e não vão lá. Algumas se tornam prostitutas. Não somos permitidos a caçar. Eles brigam porque estão aborrecidos e bebem. Estão começando a cometer suicídio. Nunca vimos isso antes. Isso é "desenvolvimento"?

Olímpio, da tribo Guajajara na Amazônia brasileira, disse: "Somos contra o tipo de desenvolvimento que o governo está propondo. Penso que alguma ideia não-indígena de "progresso" é loucura! Eles vêm com essas ideias agressivas de progresso e as impõe a nós, seres humanos, especialmente a povos indígenas que são os mais oprimidos de todos. Para nós, isso não é progresso de jeito nenhum!"

Todas essas estatísticas demonstram as consequências fatais de forçar a mudança nas sociedades tribais em nome do "progresso" e do "desenvolvimento". Em muitos casos, as tribos foram forçadas a mudar de fontes de alimento abundantes e sustentáveis e de uma fonte de identidade em favor da pobreza e da marginalização nas margens da sociedade em geral. As trágicas repercussões dessas mudanças forçadas podem continuar ainda por várias gerações de aqui em diante.

Ao redor do mundo, as tribos continuam a lutar pelo reconhecimento do seu direito de viver em suas terras em paz. Onde esse direito foi respeitado ou restaurado, as tribos florescem. Por exemplo, depois da criação de uma reserva indígena no norte da Amazônia em 1992, grupos médicos trabalharam com shamãs tribais e junto deles reduziram à metade o índice de mortalidade entre os índios Yanomamis. Da mesma forma, os Jarawa na Índia vivem nas terras dos seus ancestrais e desfrutam do que tem sido chamado de "vida de opulência". Os nutricionistas classificam sua dieta como "ótima".

Survival Internation, o movimento global para o direito de povos tribais, está clamando às Nações Unidas para reforçar a proteção dos direitos de terras tribais e chamar atenção dos governos para que mantenham seus compromissos para com seus povos indígenas.

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